Uma
garota se exibe para uma plateia nada usual, um jogo de
farsantes sinceras se desenrola durante as noites num
labirinto de canais, o desejo aproxima a juventude da face que
lhe é oposta: alguém que parece nos enxergar de muito longe,
do lado de lá da vida. A natureza emerge até provocar o êxtase
que faz o indivíduo transbordar para além de si. |
Só agora percebo que as
pernas finas de Deus são um pouco tortas, quando interrompe a
corrida, volta-se e repete, olhando em meus olhos, covinhas
formadas nos dois lados do sorriso da malícia, que depois irá
nos ver no orquidário. Deus retoma a sua pressa através do
gramado, em busca da festa e do fotógrafo que está a lhe
paquerar, vestido curto na cor da flor da cerejeira e desenhos
by Schelling, como estava escrito no folheto bilíngue que vi
jogado sobre alguma mesa. Sim, Deus tem pernas um pouco
tortas, quase imperceptível, só hoje enxerguei. Um pequeno
defeito? O charme está no que fazemos com as imperfeições, é o
que a sócia designer gosta de repetir. A perfeição só existe
como molde impossível de ser conquistado e que marca os
desvios. O charme ganha lugar a partir do desvio. A perfeição,
se fosse possível, seria o Grande Mesmo, o Grande Sempre, o
Grande Tédio. A perfeição existe para explodir-se para fora de
si e gerar a miríade das imperfeições em movimento de
impossível retorno à eternidade imóvel do Grande Molde. Deus é
mal-educada? Sua meiguice sem essa pitada de instabilidade não
teria a mesma sedução. Estou hipnotizado pela descoberta de
que Deus tem as pernas tortas. Lá vai Deus através do gramado,
algo em mim se comove com a visão de suas pernas e com a
súbita irrupção da frágil criança que foi e ainda é por dentro
da adolescente agitada pelos prazeres que a noite promete. |